quinta-feira, 29 de março de 2012

Sem direitos e tratados com preconceito

A população de moradores de rua, do Distrito Federal é composta por 2.512 pessoas, sendo 319 crianças, 221 adolescentes e 1.972 adultos. Esses dados fazem parte do Projeto Renovando a Cidadania, Pesquisa sobre a População em Situação de Rua do Distrito Federal, divulgada pela Universidade de Brasilia(UnB), no ano passado. E esse número diminui se levar em conta os que aceitam ir para as unidades de acolhimento que o Governo do Distrito Federal dispõe. Segundo a pesquisa, nem todo morador de rua é pedinte, existem aqueles que trabalham. Muitos são lavadores de carros, vendedores nos semáforos, trabalham com reciclagem, já têm uma estrutura na comunidade, mas não podem pagar aluguel.
Na pesquisa, assistentes sociais e sociólogos apontam o preconceito como um dos grandes obstáculos para a criação de políticas públicas voltada para os moradores de rua. Além de não receberem ações significativas do governo local e federal, eles têm, inclusive, os direitos básicos violados, como o de ir e vir. Dos adolescentes pesquisados pela UnB, por exemplo, todos responderam que já foram impedidos de entrar em algum lugar e até mesmo de receber atendimento público, como saúde e educação. Nem mesmo ficar nas ruas, vias públicas, eles podem, pois ações de retiradas de moradores são frequentes em todo o DF.
Aqui no Distrito Federal, o serviço de acolhimento institucional é realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedest). De acordo com a secretaria esse acolhimento garante proteção integral a famílias e indivíduos que se encontrem com vínculos familiares e comunitários fragilizados ou rompidos. Também com ela fica a responsabilidade de fazer o encaminhamento dos moradores de rua para as unidades de acolhimento. Além disso, disponibiliza um canal chamado SOS Cidadão (0800-647-1407) para que a população do DF faça denúncias sobre violações de direitos sociais.

Para o acolhimento de crianças e adolescentes há a Unidade de Acolhimento para Crianças e Adolescentes – Unac (antigo Abrire). As formas de acesso se dão pelo encaminhamento pela Vara da Infância e da Juventude (VIJ), com aplicação de medida protetiva de acolhimento institucional. Em casos excepcionais e de forma emergencial, quando a VIJ e o Plantão Judicial não estiverem em horário de funcionamento, as crianças e os adolescentes podem ser acolhidos por meio de encaminhamento de outros órgãos, tais como Conselho Tutelar e Núcleo de Atendimento à Pessoa em Plantão Social – Nuaps.
A Sedest dispõe da Unidade de Acolhimento para Crianças e Adolescentes em Situação de Rua/ Giração. Nessa unidade, os adolescentes e jovens que estão em situação de rua podem ter acesso à unidade de forma espontânea ou serem encaminhados pela Rede do Sistema de Garantia de Direitos.
Para o acolhimento de adultos e famílias, existe a Unidade de Acolhimento para Adultos e Famílias em Situação de Rua de Taguatinga (antigo Albercom) ou Albergue Conviver. A capacidade de atendimento é de 700 pessoas. O tempo máximo de permanência no Conviver, que está localizado no Areal, é de 90 dias, sendo avaliada pela equipe técnica a necessidade de prorrogação pelo mesmo período de acordo com a complexidade do caso. O albergue não possui a finalidade de oferecer moradia permanente, mas sim, oferecer o acolhimento para a família ou o indivíduo, até que os motivos que o levaram a essa situação sejam sanados. E esse acolhimento se dá em situação de desabrigo por uma situação de vulnerabilidade, risco pessoal e/ou social, como vítimas de calamidades, migrantes que buscam o DF para tratamento de saúde, trabalho e celeridade nos trâmites judiciais (aposentadoria, Benefício de Prestação Continuada - BPC) e pessoas em situação de rua.

Para o acolhimento a idosos do sexo masculino com mais de 60 anos existe a Unidade de Acolhimento para Idosos – Unai (antiga Casa do Migrante). Sua capacidade é de 27 pessoas.
Ainda há uma unidade de acolhimento para mulheres adultas, desacompanhadas de companheiros e filhos, em situação de desabrigo temporário, em Taguatinga Sul, que é a Casa Flor, com capacidade para 25 mulheres.

De acordo com Sinara Silva de Deus, diretora do Serviço de Acolhimento da Sedest, dentro do acolhimento, de acordo com a necessidade que cada um apresenta é acionada a rede de proteção socioassistencial, o sistema de garantias e demais políticas públicas. “Isso inclui providenciar documentação civil, questões judiciais, de aposentadoria, de saúde, de mercado de trabalho. Importante, o atendimento busca  sempre a reintegração familiar ou comunitária no DF e outros estados”, explica Sinara.
Muitos dos moradores de rua se recusam a ficar em unidades de acolhimento devido a dificuldade de seguir regras e a brigas que ocorrem entre eles. Em todas as unidades de acolhimento há um mínimo de rotina que teria em qualquer casa, como horário para o café , almoço, dormir, acordar.
José Rosa dos Santos estava trabalhando na Fercal e como acabou o serviço preferiu ir para o Conviver porque a violência e o preconceito contra quem não tem casa e não pode pagar uma pousada é muito maior nas ruas. “ Aqui no albergue tenho cama, posso tomar banho e estou protegido. Gente ruim tem em todo lugar. E na rua é bem pior. Vou ficar por pouco tempo” desabafa José lembrando que ali perto do albergue mataram dois moradores de rua e em Santa Maria mataram outro queimado.

Para Joel Santana que veio de Imperatriz, no Maranhão, o albergue oferece boas condições. Ele veio para Brasília, porque perdeu os documentos em Goiânia. “ Estou aqui há 8 dias e assim que meus documentos saírem vou arrumar emprego e sair daqui, pois a gente sabe que não pode ficar muito tempo,” afirma.
Albergue da discórdia, no Areal

Quando foi criada, essa unidade de acolhimento, não existiam casas no local, apenas algumas instituições, mas com a invasão do local por pessoas que receberam promessas de legalizar seus lotes e com o passar dos anos com a especulação imobiliária que tomou conta da região, o Albergue Conviver está no meio de condomínios de apartamentos, casas luxuosas e um comércio bem movimentado. E hoje é motivo de discórdia, por isso existe um movimento que faz campanhas junto ao governo para se transferir a unidade de lá. Segundo o movimento, os albergados bebem, se drogam, aborrecem os moradores, o comércio, brigam e trazem insegurança para o local, por isso ocorrem muitos crimes, como assaltos, roubos, estupros, brigas por drogas.

Letícia Rodrigues( pediu para sua identidade ser preservada) tem um comércio no local e não quer entrar nessa discussão, pois acha que a coisa não é tão ruim como alguns descrevem. Afirma que alguns albergados realmente exageram, mas nem todos. “ O albergue chegou primeiro e cada um quer defender os seus direitos e esquecem que eles têm direitos também, são seres humanos. Que dia alguém tentou ser solidário com eles? Dar esmola não é dar dignidade, não ajuda. O governo deve fazer a sua parte e nós temos que fazer a nossa.”, defende Letícia.
Para Paulo de Oliveira, morador do local, falta melhor administração ao local, os desempregados devem fazer cursos, serem encaminhados para trabalhar. “ Eles nãosão os únicos culpados pelos crimes no Areal, eles têm direitos que o Estado não reconhece e nem os moradores. A gente nota que muitos trabalham, os que não trabalham, alguns ficam perambulando pelas ruas consumindo bebidas e outras coisas mais. O albergue deve oferecer palestras e ocupação para os que ficam lá e não vão trabalhar. Devem até ajudar na limpeza e manutenção do local. Lá não é hotel e a comunidade tem que ter outra postura em relação ao albergue.”, ressalta.

Já Liomar Duarte, aposentada,diz que os usuários do Albergue Conviver que ficam fora da instituição por várias razões, dentre elas por não aceitarem as normas do local, fomentam uma instabilidade aos moradores da redondeza.”Eles tocam o interfone durante a madrugada pedindo comida. Aqui na minha casa quebraram o interfone quatro vezes. É preciso encontrar uma solução para esse problema”, reclama .
A presidente da Associação de Moradores de Águas Claras e Areal, Telma Rufino, endossa as reclamações  e vai além: “O terreno é enorme, ocioso e a comunidade necessita de uma escola de 1º e 2º graus. Não sou contra o albergue, acredito que se a instituição oferecesse serviços para esses abrigados, como capacitação de mão de obra, atividades para que eles não ficassem perambulando, perturbando a vizinhança, levando insegurança, a situação seria outra. Por que não construir no local um restaurante comunitário, uma creche e a escola?”, defende Telma.

O governo do Distrito Federal nos próximos dias prevê a publicação de um decreto que institui a política de atenção a moradores de rua, estabelecendo medidas de enfrentamento às dificuldades, discriminação e violência enfrentadas por essa população. Além de uma campanha de enfrentamento à intolerância, o governo promete construir três novos abrigos e dois centros de Referência Especializados para Pessoas em Situação de Rua (centros Pops). O governo também quer realizar cursos de capacitação em direitos humanos de 20 horas que vão preparar os policiais a lidar com grupos, como os de moradores de ruas.



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